O sangue é vermelho

16/04/2009 21:07

Existe uma espécie de consenso no inconsciente coletivo de quem acompanha futebol segundo o qual Steven Gerrard é o melhor jogador do mundo que nunca concorreu ao prêmio de melhor jogador do mundo. Stevie G, capitão e cérebro do Liverpool desde que a bola é bola, é um dos jogadores mais completos e decisivos da atualidade, disso ninguém tem dúvidas. E quando os Reds precisam de seu líder em ponto de bala ele sempre corresponde. Não houve um momento-chave na história recente dos liverpudlianos que não tenha contado com participação fundamental de Gerrard em algum momento.

Considerando isso, como se podia esperar que o Liverpool, desfalcado de Gerrard (com o tornozelo lesionado), fosse capaz de reverter a vantagem do Chelsea nas quartas-de-final da Champions League, sendo que essa vantagem veio na forma de um 3-1 em pleno Anfield Road e acrescentando-se a isso o fato de o jogo de volta ser na casa adversária? Por um lado pode-se dizer que, de fato, o Liverpool não foi mesmo capaz e acabou eliminado, o que é verdade. O que não exclui o fato de que o empate por 4-4 entre os rivais foi prova incontestável de que os Reds vivem, respiram e pensam sem seu camisa 8, e de que a capacidade de crescer em tempos de necessidade já vem bordada no belo escudo do clube de Merseyside.

O famoso "Piscina de Fígados"

Vale lembrar que, antes do jogo de quarta-feira, a última vez em que o Chelsea havia tomado quatro gols em casa tinha sido em 26 de dezembro de 2007, quando fez o mesmo placar contra o Aston Villa pela Premier League. Na ocasião, coincidentemente, Terry também estava fora, contundido, e Alex também marcou gol. Shevchenko (duas vezes) e Lampard completaram o escore azul, enquanto Maloney (duas vezes), Laursen e Barry fizeram para o Villa. De lá para cá, foram três ocasiões em que a meta do dono da casa em Stamford Bridge foi vazada por mais de uma bola: 3-2 contra o mesmo Liverpool em 30/04/08, 1-2 contra o Arsenal em 30/11/08 e 4-3 contra o Bolton no último dia 11.

As primeiras dificuldade no caminho dos Reds eram suas próprias limitações. Quem depende de Arbeloa e Benayoun, por exemplo, está enrascado. No banco, como opções, figuraças como Dossena, Riera e N'Gog. O Liverpool 2008/2009 nunca foi conhecido por seu elenco fenomenal, é verdade. Tendo escalado 11, Rafa Benítez deparou-se com um Chelsea que decidiu não se retrancar para usufruir da vantagem. Guus Hiddink montou um 4-3-3 como se precisasse de uma boa vitória, apesar de ter deixado Anelka no banco em favor de Malouda. Não só o Liverpool jogava em território hostil, estava também acuado.

As bolas paradas ditaram a vitória parcial do primeiro tempo, com Fábio Aurélio cobrando falta inteligentemente e Xabi Alonso ampliando de pênalti. O Liverpool conseguiu mandar no jogo inicialmente, inclusive forçando Hiddink a sacar Kalou por Anelka ainda aos 36 minutos, tal a ineficiência de sua linha de frente. Foi o próprio francês que iniciou a primeira reviravolta do embate, já na segunda etapa, cruzando para Drogba atrapalhar Reina com um desvio esperto. Quando Alex empatou as coisas pareceram perdidas para os Reds, e quando Lampard virou até mesmo Benítez entregou a rapadura, tirando seu principal astro, Fernando Torres, para inserir N'Gog no jogo. Ninguém em sã consciência acharia essa mudança benéfica. Já se passavam 80 minutos de embate.

N'Gog não é a solução para todos os seus problemas

Tenha em mente que Riera, antes do terceiro tento do Chelsea, havia suplantado Mascherano, o que explica a liberdade de Lampard para finalizar. O Liverpool já estava para frente, e a necessidade de marcar mais três vezes, em lugar de desanimar os vermelhos, deu mais ânimo. Lucas fez aos 81 e Kuyt aos 83, o que parecia inacreditável. Não mais que de repente, o time que enfrentava uma adversidade colossal estava a um chute bem calibrado de passar por cima de um inimigo superior em muitos aspectos. E o mais impressionante, estava muito mais próximo disso do que o tal inimigo estava de conter os avanços.

Rafa Benítez chegou a tirar seu lateral-direito para botar mais um atacante, o quinto (???), no caldo. Com Xabi Alonso na armação e Fábio Aurélio no apoio, sobravam apenas três jogadores do Liverpool, fora o goleiro, na defensiva. Isso se revelou fatal quando Lampard, mais uma vez, teve liberdade para receber na cabeça-de-área e selar o destino dos compatriotas. Lucas é bom volante, mas é preciso mais do que isso para anular o meia do Chelsea.

Com o apito final, todos os que compareceram a Stamford Bridge saíram com os olhos cheios de bom futebol. Cortesia de dois times que mostraram que, dentro das quatro linhas, números são apenas números e, na maioria das vezes, não existe aquilo que se chama de impossível. Especialmente de um deles, que, segundo alguns versos muito queridos por seus seguidores, nunca caminhará sozinho. Nem mesmo quando seu jogador-alma estiver impossibilitado de caminhar.

(Esclarecimentos: 1 - Não assisti ao jogo. Estava no trabalho. Mas acompanhei em tempo real pela internet, vi teipes e pesquisei. Julgo não ter falado bobagens. 2 - Sim, meu time na Europa é o Liverpool. Não sei explicar o porquê, e acho que é justamente isso que justifica a escolha. Se torcedor sempre primasse pela razão, o Brinco de Ouro viveria vazio)

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